A usucapião é um instrumento jurídico previsto na legislação brasileira que permite ao cidadão adquirir a propriedade de um imóvel ou terreno urbano mediante o exercício prolongado, pacífico e contínuo da posse, desde que preenchidos certos requisitos legais. Trata-se de um direito reconhecido pela Constituição Federal e regulamentado pelo Código Civil, pelo Estatuto da Cidade e por normas processuais e notariais específicas.
Fundamento constitucional e legal
O artigo 183 da Constituição Federal dispõe expressamente sobre a usucapião especial urbana, estabelecendo que aquele que possuir, como sua, área urbana de até 250m², por cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirirá o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Esta norma consagra o princípio da função social da propriedade, servindo como mecanismo de regularização fundiária e de promoção do direito à moradia.
Além da Constituição, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) disciplina outras espécies de usucapião, como a ordinária (art. 1.242) e a extraordinária (art. 1.238), aplicáveis também a imóveis urbanos, dependendo da forma e do tempo de posse, bem como da existência ou não de justo título e boa-fé.
Espécies de usucapião urbana
As modalidades mais comuns no contexto urbano são:
- Usucapião extraordinária: exige a posse mansa, pacífica e ininterrupta por 15 anos, sem necessidade de justo título ou boa-fé. O prazo pode ser reduzido para 10 anos se o possuidor tiver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
- Usucapião ordinária: requer justo título e boa-fé, com posse pelo prazo de 10 anos, podendo ser reduzido para 5 anos se o imóvel tiver sido adquirido onerosamente, com base em registro posteriormente cancelado, e o possuidor tiver estabelecido moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
- Usucapião especial urbana (art. 1.240 do Código Civil e art. 183 da CF/88): exige posse de até 250m², por cinco anos ininterruptos e sem oposição, para fins de moradia do possuidor ou de sua família, desde que ele não seja proprietário de outro imóvel.
- Usucapião coletiva urbana (art. 10 da Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade): permite a regularização de áreas com ocupação por população de baixa renda, quando não for possível identificar os terrenos individualmente. O prazo mínimo é de cinco anos.
Requisitos gerais
Independentemente da espécie, os principais requisitos para pleitear a usucapião são:
- Posse mansa, pacífica e ininterrupta: o possuidor deve exercer a posse como se dono fosse, sem violência, clandestinidade ou oposição;
- Decurso de tempo: variando conforme a modalidade;
- Intenção de dono (animus domini): o exercício da posse deve ter caráter dominial;
- Cumprimento da função social da propriedade: sobretudo nas modalidades especiais urbanas.
Procedimento judicial e extrajudicial
A usucapião pode ser requerida por meio de ação judicial ou por procedimento extrajudicial diretamente em cartório de registro de imóveis, conforme prevê o artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), incluído pelo Código de Processo Civil de 2015.
- Via judicial: exige petição inicial fundamentada, acompanhada de planta, memorial descritivo, documentos que comprovem a posse, além da citação de confrontantes e de eventuais interessados, inclusive o antigo proprietário.
- Via extrajudicial: mais célere, depende da inexistência de litígio, e requer a assistência de advogado, apresentação de ata notarial lavrada em cartório de notas, planta e documentos de posse. O procedimento será submetido ao crivo do oficial do registro de imóveis, que ouvirá os confrontantes e órgãos públicos, podendo haver impugnações.
Caso haja oposição, o procedimento extrajudicial será encerrado e o interessado deverá recorrer à via judicial.
Considerações finais
A usucapião urbana é um meio legítimo de obtenção da propriedade, muitas vezes desconhecido por quem já reside há anos em um imóvel sem registro formal. A regularização por meio da usucapião garante segurança jurídica, acesso a crédito, valorização do imóvel e dignidade à moradia. É fundamental a orientação jurídica adequada para que o procedimento, seja judicial ou extrajudicial, transcorra de forma eficiente, respeitando os direitos de terceiros e as exigências legais.
A posse prolongada pode, sim, gerar propriedade — desde que seja exercida de forma consciente, responsável e conforme os parâmetros legais. Regularizar é um passo fundamental para assegurar o pleno exercício do direito de propriedade no meio urbano.